CICLO DO PODER DE POLÍCIA
Por Igor Daltro
Prezados leitores,
Conforme visto anteriormente, em um sentido amplo, o poder de polícia abrange não só atividades administrativas (concretas e decorrentes de lei), mas também as atividades de caráter normativo (com aparência de lei), isto é, elaboração de leis e atos que fixem condições, limitações ou restrições ao exercício de liberdades ou propriedades.
Sob a perspectiva do poder de polícia administrativo amplo (traremos a distinção deste e do poder de polícia judiciária mais à frente), uma doutrina clássica, representada por Diogo de Figueiredo e Marcos Juruena, desenvolveu a expressão ciclo de polícia, ou ciclo de vida do poder de polícia. Tal expressão é dividida em outras quatro categorias: a) ordem de polícia; b) consentimento de polícia; c) fiscalização de polícia; d) sanção de polícia. Tais desenvolvimentos englobam a atuação do Poder Público na elaboração de leis, na atividade de concessões aos particulares, na atividade de fiscalização e, ainda, na aplicação de sanções.
A própria elaboração de lei em si se perfaz em uma atividade do Estado limitadora de liberdade e propriedade, pois é neste momento que se criam as limitações. É o nascimento do poder de polícia. É fase do poder de polícia denominada como ordem de polícia que é concretizada com atos de caráter normativo. Insta salientar que esta fase do poder de polícia estará sempre presente, sendo a etapa do ciclo que permite a existência (ou coexistência) das próximas. Para alguns é também chamado de poder de polícia legislativo. Expressão relativamente imprecisa, tendo em vista que nem todos os atos de ordem de polícia, que criam
limitações administrativas, são atos que provém do Poder Legislativo.
Após elaborada a lei, em um segundo momento, como via de regra, o Estado exerce o seu consentimento de polícia. É atuação que se traduz na anuência, concordância, no consentimento do Estado para a prática de determinados atos ou atividades da vida privada. Esta anuência se concretiza através da concessão das licenças e das autorizações. Cabe ressaltar que a fase de consentimento não está presente em todo o ciclo de vida do poder de polícia.
Na terceira etapa, temos a fase de fiscalização de polícia. Neste momento o Estado arregaça as mangas e exerce uma supervisão, verificando se está havendo o adequado cumprimento das ordens de polícia pelo particular a elas sujeito, ou ainda, caso seja, verifica se o particular está cumprindo todas as condições e requisitos estabelecidos na licença ou autorização. Devemos ter atenção que a atividade de fiscalização é inerente à supervisão da primeira fase (ordem de polícia) e, ainda que não em todos os casos, da segunda fase (consentimento de polícia). Assim como a primeira etapa, a fiscalização está presente em todas as atuações do Estado no exercício do poder aqui destacado.
Por último, o ciclo de vida do poder de polícia é sacramentado com a sanção de polícia. É a atuação administrativa do Estado onde constatada violação de uma ordem de polícia (etapa 1) ou de um consentimento de polícia (etapa 2), através de fiscalização (etapa 3), o particular sofrerá uma sanção, uma medida de caráter repressivo.
Para efeitos de exemplo das fases do poder de polícia e sua incidência em questões de concursos públicos, veja a seguinte questão:
ESAF - Analista Contábil Financeiro (SEFAZ CE)/2007
O Poder de Polícia é exercido em quatro fases que consistem no ciclo de polícia, correspondendo a quatro modos de atuação.
Assinale a opção que contenha a ordem cronológica correta do ciclo de polícia.
a) Sanção/fiscalização/ordem/consentimento de polícia.
b) Ordem/consentimento/sanção/fiscalização de polícia.
c) Fiscalização/sanção/consentimento/ordem de polícia.
d) Consentimento/ordem/fiscalização/sanção de polícia.
e) Ordem/consentimento/fiscalização/sanção de polícia.
Neste caso, após a explanação acima, a alternativa não pode ser outra senão a alternativa E.
Embora o conhecimento acima relatado tenha sido suficiente para a resolução da questão, iremos aqui traçar o paralelo do entendimento doutrinário com a prática da legislação de trânsito, tendo o CTB (lei 9.503/97) como referência para, inclusive, apontar observações.
O CTB em seu art. 105, I, prevê que é equipamento obrigatório dos veículos, dentre outros, o cinto de segurança. A referida lei traz ainda os requisitos para a concessão da licença que confere o direito de dirigir a um cidadão. Por se tratar de um ato legislativo que estabelece condições para o exercício de uma atividade (dirigir) e a utilização de um bem (veículo), não podemos negar que o CTB trata-se de exercício do poder de polícia administrativa em sua fase primária, e sempre presente, chamada de ordem de polícia.
Note o seguinte, nem toda atuação na fase de ordem de polícia será mediante lei, haja vista que embora determinado por lei que o cinto de segurança é obrigatório, a norma não fala sobre o material do cinto. Pode então o particular amarrar um pedaço de barbante à cintura e ao banco do veículo em cumprimento à lei? Evidentemente que não. Mas note que o determinante do material a ser utilizado na composição do cinto de segurança é definido pela resolução 48/1998 do CNT (Conselho Nacional de Trânsito). Logo, não é ato do Legislativo, pois não é lei, é uma resolução, entretanto é ato de caráter normativo. É ordem de polícia.
A concessão de uma licença (que vale lembrar: é ato administrativo vinculado, o que quer dizer que, uma vez atendidas as condições, os requisitos, a concessão de licença se faz obrigatória por parte do Estado) para dirigir é matéria disciplinada pelo CTB, porém, é administrada por órgãos da Administração Pública. Neste caso, cabe a reflexão: ainda que a lei tenha estabelecido os critérios X, Y ou Z para o exercício da atividade (dirigir) ou fruição de um bem (veículo), não basta ao particular atender esses requisitos, o mesmo necessita do aval do Estado, necessita do consentimento, através de seus órgãos, entidades e/ou agentes, como, por exemplo, na concessão da CNH. Em uma síntese apertada, o particular atende os requisitos, todavia, precisa de uma declaração do Estado de que o mesmo atende os requisitos e o permite de usufruir do seu direito ou bem. É a fase de consentimento de polícia.
“Se toda a atuação do Estado no exercício do poder de polícia nasce com a ordem de polícia, então, o consentimento sempre estará presente”. Afirmativa falsa. Nem sempre o consentimento de polícia estará presente. Algumas atividades não necessitarão de consentimento e, principalmente, algumas atividades, não poderão ser consentidas. Seria o caso da Administração Pública consentir com a utilização do cinto de segurança feito de barbante. Entendemos que trata-se de poder de polícia ausente de consentimento, por razão da impossibilidade de consentir.
Após o consentimento, quando há, deve o Estado exercer a fiscalização de polícia. Seriam, por exemplo, as blitz que verificariam a regularidade tanto dos condutores como dos veículos. Atenção para o fato de que a fiscalização de polícia ocorrerá com a fase de consentimento preenchida ou não. Ou seja, uma vez exercido o poder de polícia, que se inicia com a ordem de polícia, este percorrerá esta fase de fiscalização. Logo, é etapa presente em todas as atuações do Estado no exercício deste Poder.
Por fim, a última e nem sempre presente etapa de sanção de polícia. Verificadas as infrações administrativas, estarão os infratores sujeitos às sanções administrativas. Ressaltamos, evidentemente, que pode ocorrer a fiscalização sem a verificação de irregularidades, o que encerraria o ciclo de poder de polícia sem esta etapa de sanção.
Veja a seguinte questão de prova:
(ESAF - MTE - Auditor-Fiscal do Trabalho/2010) Ao exercer o poder de polícia, o agente público percorre determinado ciclo até a aplicação da sanção, também chamado ciclo de polícia. Identifique, entre as opções abaixo, a fase que pode ou não estar presente na atuação da polícia administrativa.
a) Ordem de polícia.
b) Consentimento de polícia.
c) Sanção de polícia.
d) Fiscalização de polícia.
e) Aplicação da pena criminal
Podemos concluir que, diante tudo o que foi discorrido acima, esta questão deveria ser anulada, tendo em vista que as alternativas B e C estão corretas. Atuações do Estado no exercício do poder de polícia pode ou não possuir tanto a fase de consentimento, como de sanção de polícia. Já as outras alternativas não podem ser consideradas. As alternativas A e D tratam de etapas sempre presentes no ciclo de poder de polícia. Já a alternativa E trata de fase que nunca estará presente no exercício do poder de polícia administrativa.
Até breve,
Prof. Igor Daltro.
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